UNIVERSIDADES SOB ATAQUE
- HUMANIZASC
- 4 de out.
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O fascismo age para destruir a ciência, a pesquisa e o saber.

Por Júlio Pegna*
02 de outubro de 2025 marca 8 anos da morte de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – que se atirou do último andar de um Shopping Center de Florianópolis após ser alvo de uma operação federal chamada Ouvidos Moucos, desdobramento da Lava Jato.
Comandada pela delegada da polícia federal Érika Marena, a operação invadiu a UFSC, algemou (pés e mãos) o Reitor Cancellier e o prendeu sob acusação de desvio de 80 milhões de Reais e obstrução de justiça. Liberado por Habeas Corpus no dia seguinte, sob a cautelar de não entrar no campus universitário, o Reitor, humilhado e acusado injustamente, tirou a própria vida.
Algum tempo depois ficou comprava a improcedência das acusações e o relatório final não apontou nenhuma prova dos supostos crimes do Reitor Cancellier. O Tribunal de Contas da União – TCU – igualmente considerou nula a operação. Mas já era tarde demais.
Erika Marena operava em conluio com Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, com quem trabalhou na operação Lava Jato. Trocas de mensagens do Telegram, divulgadas pelo The Intercept, confirmam ilegalidades em diversas ações da polícia federal.

OPERAÇÃO “CALA A BOCA” NAS UNIVERSIDADES
O caso do suicídio do Reitor Cancellier, em 2017, alcançou todo o Brasil. Mas não foi um caso isolado de invasão às Universidades Públicas.
Em 2018 diversos outros Centros Acadêmicos sofreram intervenção policial a mando da Justiça Eleitoral por, supostamente, conter propaganda eleitoral irregular. As ações foram chamadas de Operação “Cala a Boca” porque as invasões, na maioria das vezes, não buscavam material com referência direta a candidatos, mas recolhiam tudo o que se referia a ANTIFASCISMO, DIREITOS HUMANOS e DEMOCRACIA.
Universidades alvo de ações repressivas às vésperas do 2° turno das eleições;
· UNB (Brasília) — tentativas de censura a debates sobre democracia.
· UFPB (João Pessoa) — entrada da polícia militar para retirada de faixas com dizeres como “UFPB Antifascista”.
· UFRGS (Porto Alegre) — repressão a manifestações estudantis.
· UFF (Niterói) — exigência de retirada de cartazes e interrupção de atividades por agentes da Justiça Eleitoral.
· UFPE (Recife) — recolhimento de panfletos e publicações estudantis.
· UNIFAP (Macapá) — intervenção em atividades com conteúdo político.
Os ataques foram tão fortes que a Procuradoria Geral da República – PGR – ajuizou ação no STF para conter as operações.
Em 31 de outubro de 2018 o Supremo Tribunal Federal reconheceu, na ADPF 548, que as medidas praticadas contra as Universidades configuravam censura prévia, violação de liberdade de cátedra e desrespeito à autonomia universitária, suspendendo todas as próximas invasões.
A decisão do STF reafirmou a proteção constitucional que o Estado deve às Universidades de permitir o amplo debate, a liberdade de expressão e a vida acadêmica.
Depoimento de Reitores afastados nestas operações ilegais relataram o alto impacto nas decisões administrativas tomadas sob pressão das autoridades policiais além da exposição midiática obviamente prejudicial à vida acadêmica.
Docentes relataram paralisação de atividades, apreensão de material, interrogatórios informais, intimidação e, em alguns casos, decisões judiciais proibindo aulas pouco antes de sua realização.
O MÉTODO FASCISTA
O ataque sistemático ao conhecimento é um dos métodos clássicos do fascismo. Esta ideologia autoritária busca deslegitimar o conhecimento e o saber crítico com táticas de intimidação institucional. Assim, acreditam poder conter a circulação de ideias e silenciar os opositores.
O que vimos na Europa dos anos 1920, e que nos levou à II Guerra Mundial, está de volta.
Ideólogos fascistas (ou neofascistas) novamente trazem sua batalha contra a ciência em diversos campos do conhecimento. E o mundo acadêmico, a Universidade, é a fábrica de produção deste conhecimento.
Não são poucos os líderes ocidentais que negam as mudanças climáticas ou afirmam que as vacinas são resultado de uma conspiração de dominação comunista.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos cunhou o termo “epistemicídio” para explicar a eliminação deliberada de sistemas de conhecimento.
Sob a bandeira das “tradições” morais e/ou religiosas, a estratégia é enquadrar a ciência no campo da corrupção e das ameaças demonizando, assim, a ciência e os cientistas para minar a confiança pública nas instituições.
O “saber puro” do fascismo substitui a pesquisa ancorado numa narrativa de verdade política e mítica baseada numa liderança autoritária e na religião para destruir pluralismo intelectual e o debate; a visão de mundo deve ser única e todo aquele que se opor será considerado traidor e, portanto, será caçado.
Não é incomum, além dos ataques institucionais às Universidades, vermos agentes políticos invadirem campus sob o pretexto de fiscalizar a Instituição buscando “revelar” à sociedade que os estudantes são drogados e preguiçosos. Muitas vezes usam a violência para imposição de seus atos covardes provocando dissensão para publicação em suas redes sociais.
A AUTOCENSURA UNIVERSITÁRIA
Quando uma Universidade é agredida, a reação acontece internamente. Sob o temor da deslegitimação científica, pesquisadores passam a evitar temas mais sensíveis e reitorias e conselhos, atuando sob pressão, mudam o foco de decisões acadêmicas perdendo sua independência.
A exposição midiática ajuda a produzir uma enorme erosão da autonomia refletindo nos resultados científicos práticos. Em muitos casos, aliado ao temor de decisões meramente acadêmicas, acontece perda de financiamento e de talentos.
De uma forma ou de outra a onda fascista se apropria das instituições, ou de parte delas, controlando a cultura e a intelectualidade ainda que de forma simbólica através da perseguição sistemática e a repercussão nas mídias sociais.
A CIÊNCIA COMO JUSTIÇA SOCIAL
A produção de saber é um ativo para o desenvolvimento, mas não apenas, é também um fator de justiça social.
A ciência é o investimento na diversidade, no estudo das evidências, no pluralismo ideológico e na investigação ética de soluções para as mazelas sociais. Um projeto científico necessariamente é conduzido por pessoas curiosas que buscam respostas às suas perguntas.
Sozinha, a ciência não resolve todos os problemas da sociedade, mas é um instrumento fundamental para sua compreensão profunda e, desta forma, descobrir o caminho para as soluções passa a ser uma tarefa mais simples.
Quando um populista oprime a ciência e a academia, rejeitando suas evidências em nome de uma ideologia, aprofunda ainda mais as injustiças e desigualdades.
A ciência, afinal, é uma construção humana em constante aperfeiçoamento. Pode ser capturada por interesses de poder, assim como pode ser usada para expor injustiças e oferecer soluções compartilhadas. Seu núcleo metodológico, que exige exposição de dados e verificação independente, não é, em essência, eurocêntrico ou opressivo – é uma prática de diálogo crítico que pode florescer em diferentes culturas, desde que haja liberdade e diversidade para questionar hipóteses. – André Bacchi, Professor adjunto de Farmacologia da Universidade Federal de Rondonópolis e autor de diversos livros.
LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO
Tubarão/SC – 13/05/1958 - Florianópolis/SC – 02/10/2017
Foi jurista, jornalista e professor Universitário. Foi Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina entre 2016 e 2017
Um personagem da academia que não suportou o assédio policial/judicial de um grupo de agentes públicos que tinham pleno conhecimento das ilegalidades que cometiam.
O fascismo não poupa quem se coloca em seu caminho.
CANCELLIER, PRESENTE!
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*Júlio Pegna – economista e analista de processos eleitorais

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