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HumanizaSC

SC afasta mais um educador

Atualizado: 28 de jun.

Acusada de "militância política", Professora ligou Jorginho a Fake News

atualizado em 28/06/2024 as 16h00



O HumanizaSC recebeu da Professora Carolina M Puerto seu relato sobre os fatos.

Segue, abaixo. À seguir, a reprodução da matéria do GGN e do SINTRAM-SJ


"Meu nome é Carolina Merenda Puerto, sou Professora de filosofia efetiva na rede estadual de Santa Catarina e faço parte da coordenação do SINTE Regional Florianópolis, como diretora de organização.

Escrevo este relato no 11° dia meu do afastamento da sala de aula. No dia 28 de maio último – vinte dias após o término da greve do magistério estadual – por volta das dezesseis horas, eu estava na sala de aula quando fui chamada para uma reunião ‘surpresa’ com três representantes da Coordenadoria Regional de Educação. Entrei na sala para a reunião. Além de mim, os três burocratas e ainda o diretor da escola e uma supervisora escolar.

Ao indagar sobre o que estava acontecendo fui informada que havia uma denúncia contra mim sobre algo que eu teria dito na sala de aula. Nada mais me foi dito inicialmente. Insisti em saber sobre as informações completas, por óbvio, pois qualquer pessoa, no estado democrático de direito, além do amplo direito à defesa, precisa saber do que está sendo acusada. Nesse momento, não pude deixar de pensar em Kafka¹.

Mas depois de alguma insistência, em algum momento fui informada de que eles estavam ali “fazendo seu trabalho”, que seria apenas o de “me ouvir” pois tinham recebido ordens da Secretaria Estadual de Educação – pois eles estão sempre só ‘cumprindo ordens’, afinal de contas – a partir de um áudio gravado sem a minha prévia autorização e enviado de forma ‘anônima’ para a SED.

Em nenhum momento tive acesso ao tal áudio, mas fui informada que se tratava de uma aula sobre Fake News e que eu teria falado do governador Jorginho Mello. Expliquei que as ‘aulas sobre Fake News’ foram propostas no período do retorno da greve e que na verdade foram aulas sobre a tragédia climática que acontecia no RS, produzida pela mudança climática que acontece no planeta Terra.

Perguntei se a SED e a CRE entendem que esse não seria um tema pertinente. Em seguida questionei sobre o trâmite e o tempo da denúncia, tudo de uma celeridade incomum no contexto da resolução de problemas da educação de Santa Catarina, já que entre as aulas sobre o tema e aquela reunião não havia se passado mais do que uma semana e, por fim, expressei estranheza diante do fato de que em nenhum momento eu havia sido informada pela escola, pela CRE, por telefone, e-mail ou qualquer outro meio, de que haveria uma denúncia contra mim.


Quase duas horas de reunião depois, tive que explicar que os conteúdos trabalhados em sala de aula nada tinham a ver com ‘conteúdos políticos partidários’, como foi inicialmente afirmado pelos servidores estatais e sim com questões urgentes para a própria humanidade, todos eles fundamentados pela BNCC e BCTC.

Além disso, precisei lembrar que uma das funções da própria escola e do trabalho docente é a formação de sujeitos críticos, capazes de compreender e intervir no mundo em que vivem. Por incrível que pareça, é necessário fazer esse registro, pois o que vem depois é a notificação de um PAD, publicado no DOE no dia 17 de junho, com o meu afastamento por 60 dias, para a investigação de que eu teria praticado “militância política” em sala de aula.

Confesso que ainda estou processando isso tudo, cada dia que passa sentimentos diferentes me visitam, mas desde o dia 18 de junho (pois fui informada no dia seguinte da publicação do PAD no diário oficial), a sensação de que tudo isso é um grande absurdo não me abandona.

Sempre defendi e procurei colocar em prática a ideia de que a filosofia no ensino médio precisa ser uma prática de investigação, de problematização do mundo, da construção com os estudantes de um modo crítico – e quem sabe transformador – de se apropriar da realidade. Muito mais do que saber que Sócrates existiu, busco pensar ‘com’ os estudantes como Sócrates pensou e isso significa questionar.

Persigo uma prática de filosofia que tenha como ponto de partida o mundo real, a sociedade, aquilo que os estudantes vivem, conhecem, pensam e sentem.

Impedir que eu faça o meu trabalho tem um traço de violência que não é pequeno. Impedir uma Professora de ser Professora, de realizar o trabalho que constitui quem ela é no mundo é de uma violência absurda. Falar sobre as questões do tempo presente, como os direitos humanos e tudo que está incluído nesse ‘humanos’, as mudanças climáticas, a desigualdade econômica, social e política, a intolerância religiosa, o negacionismo nas suas mais diversas nuances é a obrigação de todas, todes e todos que defendem que um mundo mais justo é necessário e possível.


Quem quer calar esses debates? Quais interesses têm as pessoas que negam os direitos das mulheres, das pessoas LGBTQIAP, das pessoas pretas, dos povos originários, da juventude em ter um futuro mais justo e igualitário?


É sobre isso a censura. Devemos nos perguntar porquê. O que está acontecendo comigo agora não constitui um caso isolado, pelo contrário, tem se tornado uma prática em Santa Catarina. Perseguir Professores que estão fazendo o seu trabalho se tornou uma prática, cada vez mais recorrente em nosso Estado.

Não podemos e não iremos aceitar.


Entendemos que o que está em curso é um ataque mais amplo, que faz parte de um modelo societário chamado neoliberalismo. Para justificar o injustificável, o neoliberalismo como razão do mundo contemporâneo produz uma verdadeira guerra contra a educação emancipatória e contra a própria democracia, especialmente nos países da periferia do capitalismo. Pensemos em todas as reformas políticas dos últimos tempos, entre elas a reforma do ensino médio.

O que todas têm em comum?

Atendem os interesses do capital e retiram direitos da classe trabalhadora. O desmonte da educação, o ataque aos educadores, aos sindicatos – sou Professora e estou sindicalista na seccional/regional da capital do estado, que teve um papel importante no movimento grevista – capitaneado pelos representantes do movimento escola sem partido, que tem seus representantes muito ativos no parlamento catarinense, é necessário para o avanço do projeto neoliberal.


Se tem um sujeito que os neoliberais repudiam mais do que o professor/funcionário público é o sindicalista. O neoliberalismo, com seus princípios de austeridade e os valores que a extrema-direita diz representar, a saber, Deus, Pátria e família, são faces da mesma moeda, se retroalimentam no pior sentido possível. E aqui seria interessante lembrar o quanto se matou, torturou e escravizou em nome desses valores.

A nova razão do mundo – o neoliberalismo – exige a desdemocratização, ou seja, a impossibilidade da realização de algo que ainda existiu da forma como sonhamos, a verdadeira democracia, na medida em que isso implique não só a igualdade formal e o direito ao voto universal, mas a igualdade real, a luta pela conquista e pela ampliação de direitos. Dito de forma bem resumida, estamos numa batalha entre civilização e barbárie e precisamos fortalecer as fileiras contra a barbárie."


¹ N. do E. - Franz Kafka foi escritor alemão dos mais influentes do século XX



“A minha acusação é que eu usei de exemplo o governador Jorginho Mello como alguém que propaga fake news sobre a mudança climática”, contou a professora em entrevista exclusiva ao GGN


A professora Carolina M. Puerto, dava aula de Filosofia aos seus alunos do Ensino Médio, na Escola de Educação Básica (EEB) Simão José Hess, no dia 28 de maio, quando foi surpreendida por funcionários da Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis (CRE) com uma denúncia sobre suas atividades. Menos de um mês depois, foi publicada na edição do Diário Oficial de 17 de junho a instrução de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra a docente, afastada de suas funções por 60 dias sob acusação de “militância política”. Esse é mais um dos casos de perseguição contra educadores no Sul do país e Puerto fala com exclusividade ao GGN sobre a censura.


Naquela reunião com a CRE, em visita à própria escola, a professora insistiu sobre os motivos da suposta infração e foi informada que o episódio em questão se tratava de uma aula ministrada sobre desinformação, clandestinamente gravada. “A minha acusação é de que eu usei como exemplo o governador Jorginho Mello (PL) como alguém que propaga Fake News sobre mudança climática. Esse era o contexto”, conta Puerto. 


Fui chamada na sala e levada para uma reunião na minha escola, com três pessoas da Coordenadoria. (…) Foi uma reunião bastante longa e no início tensa. Nela, eu fui informada de que tinha uma denúncia, sobre alguma coisa que eu teria falado em aula sobre o governador. Questionei no primeiro momento a denúncia anônima, feito a partir de uma gravação ilegal, e demoraram para dar uma explicação. Não tive acesso ao áudio [da gravação ilegal] e não queriam nem me dizer do que se tratava, mas em determinado momento me falaram: ‘a tua acusação é conteúdos políticos partidários’”, relata. “Agora, no PAD a justificativa é de militância política em sala de aula”, acrescenta a professora. 

Carolina Puerto explica que a aula ocorria em meio à tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul: “A mudança climática é o nosso maior problema atualmente e eu levei essa questão para pensar em aula”. “Infelizmente, o governador costuma compartilhar Fake News, isso é sabido. No mês da tragédia, ele compartilhou várias notícias falsas e há provas disso. Eu sempre trabalho a partir do método Socrático, com perguntas e, em algum momento, eu dei como exemplo políticos que usam as Fake News inclusive para se elegerem, e o governador de Santa Catarina usou Fake News sobre esse assunto e isso é muito grave.”


Conforme publicação do Diário Oficial, a Corregedoria afastou a docente por 60 dias das salas de aulas, enquanto investiga o caso. Nesse período, a professora apresentará também a sua defesa e afirma que sua luta é para que a decisão possa ser suspensa. “Fui afastada com remuneração, mas se essa investigação se prolongar pode ser que isso mude. Eles vão formar uma Comissão para me julgar, que deveria ser paritária, ou seja, deve ter membros da própria escola e nós vamos ter que lutar, porque em geral a Secretaria [de Educação] não quer fazer isso [garantir a paridade]. No final, eles dizem se eu vou ser exonerada ou não”, afirma.


A reportagem questionou a Secretária de Estado da Educação, encabeçada pelo professor  Aristides Cimadon, sobre o caso de Puerto, inclusive a respeito da gravação ilegal. O órgão, no entanto, limitou-se a responder por meio de nota que foi “instruído PAD para apurar a conduta da professora durante aula” e que a “profissional foi afastada das funções”.


“Estou muito indignada. A sensação de não poder pisar na escola, a sensação de não ter acesso aos estudantes. Embora eu tenha acompanhado algumas pessoas em casos de assédio e intimidação, é muito sofrido. A opressão é muito difícil e agora eu tenho que me defender”, desabafa Carolina.


Lei da mordaça na prática


Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) impôs uma série de derrotas a normativas baseadas no programa “Escola Sem Partido”, que na prática institucionaliza a perseguição a professores.


Contudo, logo ao assumir o governo de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL) sancionou uma legislação conhecida como “Lei da Mordaça”, elaborada pela deputada estadual de extrema-direita Ana Campagnolo (PL), que instrui as crianças sobre “atitudes a serem tomadas no caso de violação dos direitos” e “ao tratar de questões políticas, sociais, culturais, históricas e econômicas, o professor apresentará aos estudantes, de forma equitativa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito”.


É por meio dessa medida que o governo catarinense tem silenciado professores, como Puerto, que não é um caso isolado no Estado. Contudo, a legislação brasileira sobre proteção de dados e de direitos autorais assegura proteção a casos como o da professora, considerando ilegal qualquer gravação feita por um terceiro sem autorização.

 

Segundo a docente, a própria CRE reconhece que a prova fornecida para denúncia é “ilegal”. “Eles assumiram que a gravação é ilegal, assumiram que a gravação não pode ser usada como prova e está tudo registrado. Inclusive, eles orientam que a escola faça um trabalho de reflexão e de divulgação da Lei de Proteção de Dados”, revela.


Atuação em defesa da educação


O caso de Carolina M. Puerto guarda ainda outras proporções, uma vez que ela ocupa a Diretoria de organização da Regional de Florianópolis do Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de SC (SINTE/SC), que coordenou a greve do magistério de Santa Catarina.


Naquela ocasião, com as grandes proporções dos atos, o governador despachou uma carta às escolas com ameaças de demissões. “Nós estávamos à frente da greve, no sentido que a Regional Floripa teve uma expressão maior durante o movimento por várias razões, principalmente por ser na capital. Mas nós saímos da greve em uma situação muito difícil. Eu nunca tinha visto um governador assediar por meio de um documento, inconstitucional, em que ele registrou ameaças de demissão”, conta.


Puerto enxerga relação do episódio com a rapidez em que se deu o seu processo de afastamento e a justificativa de “militância política” para instauração do PAD. “Ao mesmo tempo, porque eu sou só mais uma professora, mas entendo que é um recado muito claro”, diz. 


Ainda assim, a professora ressalta que este não é um problema individual: “É uma questão coletiva, porque Santa Catarina é um lugar que tem uma série de casos como o meu. Não gosto da exposição individual, eu entendo como uma questão coletiva.”


Mobilização


Consternados com a situação de Carolina, os docentes da EEB Simão José Hess publicaram uma carta aberta à comunidade escolar, manifestando “apoio irrestrito” à professora, inclusive salientando que o trabalho com conteúdo sobre desinformação é “orientado pelos cadernos curriculares do território catarinense a respeito do Novo Ensino Médio”.


Estou recebendo um apoio que eu não tenho direito de não encarar isso da melhor maneira possível. Todo o apoio é fundamental, mas, sem dúvidas, o que mais me emociona e fortalece é o apoio que eu tenho recebido dos estudantes”, relata Puerto. 


Na próxima terça-feira (25), colegas da docente irão se reunir em um ato, em frente à sede da Secretaria de Estado da Educação, em Florianópolis, a partir das 13h. 


O ato é em defesa da liberdade, contra a perseguição de trabalhadores da educação e para que o processo seja suspenso e que eu retorne ao meu trabalho. Vamos estar lá pelo meu retorno, mas também porque não podemos mais aceitar esse tipo de perseguição absurda,  que tem levado não só ao afastamento, mas ao adoecimento de professores”, completa Puerto.



***


Na avaliação do SINTRAM-SJ (Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público de São José, a atitude do governador Jorginho Mello, através da Secretaria da Educação, confirma o quanto o autoritarismo segue firme em Santa Catarina. É vergonhoso e injusto afastar uma professora acusando-a de fazer “militância política” em sala de aula, além de inconstitucional.


Conforme cartilha divulgada pelo Fórum Nacional Popular da Educação, “todo docente tem o direito constitucional de liberdade de cátedra, que consiste em não sujeição à censura em respeito aos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.”


A cartilha ainda afirma que “a livre discussão ou o debate acerca de concepções filosóficas, políticas ou religiosas não se confunde com propaganda político-partidária ou doutrinação ideológica.” Diante disso, fica registrada aqui a solidariedade do Sintram-SJ a todas as professoras e professores que lutam diariamente por uma educação libertadora.


Portanto, na avaliação do sindicato, é preciso cobrar o retorno urgente da professora a sua atividade profissional, garantindo o pleno direito de exercer seu ofício com liberdade!


FONTE: GGN



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