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Foto do escritorValeria Chaussard

QUEM QUER FUZIL?

Clubes de Tiro vão distribuir armas!


Ilustração: Intercept Brasil

Mais de 1.500 clubes de tiro espalhados pelo país vão sediar atividades do W2C 2023, que conta com patrocínio de gigantes do setor e vai premiar atiradores com 89 armas – entre elas, seis fuzis.


Por Paulo Motoryn

Em meio às novas regras de controle de armas no Brasil no governo Lula, um evento de proporções inéditas agita o universo dos clubes de tiro, atiradores e simpatizantes do armamentismo – e, por consequência, do bolsonarismo. Trata-se da edição de 2023 da competição W2C – O Desafio, marcada para a segunda quinzena de agosto. Segundo os organizadores, será “o maior evento de tiro do mundo” e pode reunir até 150 mil participantes.

Idealizado pelo empresário João Sansone, que se define como “patriota, empreendedor vocacionado e obstinado defensor da atividade policial”, o W2C está na sua terceira edição no Brasil. As duas anteriores ocorreram em Itu, São Paulo. Neste ano, o W2C irá acontecer em mais de 1.500 clubes de tiro espalhados por todo o Brasil. Sansone conseguiu um aporte milionário das principais empresas do setor armamentista para o evento, que vai de 17 a 27 de agosto.

No seu site oficial, o W2C é anunciado como um “oferecimento” de duas gigantes do ramo: a Taurus, maior fabricante de armas do país, e a Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC, fábrica de munições e armas que detém o monopólio da produção de munições no Brasil.

Maior patrocinadora do W2C, a Taurus ofereceu, na lista de prêmios, 39 produtos que somam R$ 300 mil. Entre eles, cinco revólveres Taurus modelo RT 856, armamento capaz de utilizar miras ópticas; 10 unidades da pistola GX4 Graphene; cinco pistolas TS9 Full e cinco TS9c compactas, além de seis fuzis e outros armamentos.

De acordo com o site do evento, “nunca antes na história do tiro mundial uma premiação tão expressiva foi oferecida aos atletas amadores e profissionais”. O evento ainda tem patrocínio das americanas  Springfield Armory e Canik Arms, da Sig do Brasil, revendedora brasileira da Sig Sauer, e da brasileira BR Weapons, que ofereceram mais de 20 pistolas de prêmio. A Indústria Brasileira de Munições ainda aportou R$ 40 mil em munição. No total, as patrocinadoras ofereceram R$ 1,5 milhão em prêmios.

A tonelada de dinheiro despejada pela indústria de armas no tiropalooza deste ano tem as suas razões. Em 21 de julho, o presidente Lula assinou um decreto que torna mais rígido o controle de armas no país e reverte as medidas tomadas na gestão Bolsonaro, que fizeram explodir a quantidade de armas em circulação e clubes de tiro no país. A nova norma limita a quantidade de armas e munições que podem ser compradas por cada cidadão, restringe acesso a calibres específicos, além de proibir clubes de tiro 24 horas.

Ao anunciar o novo decreto, Lula afirmou que não se pode permitir “arsenais nas mãos de pessoas”. A permissão de compra para defesa pessoal, que era de até quatro armas e 200 munições, passou a ser de até duas armas e 50 munições por ano. Durante o governo Bolsonaro, o limite para compra de munição chegou a 600 unidades.


O CEO da Taurus, Salésio Nuhs, aproveitou a superlive de divulgação do W2C para criticar o governo Lula: ‘É um momento de atenção que estamos passando no Brasil’. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

CEO da Taurus critica Lula

Há cerca de três semanas, uma “superlive” de divulgação do W2C ficou nada menos que 11 horas e 26 minutos no ar, com dezenas de convidados. A transmissão ao vivo foi feita do clube de tiro Top Gun Floripa, de Florianópolis, e teve como principal entrevistado o CEO da Taurus, o empresário brasileiro Salésio Nuhs. 

Em quase uma hora de entrevista a João Sansone, Nuhs ressaltou a “coragem” de realizar um evento em um contexto que não é favorável aos atiradores. “​​É uma oportunidade e um desafio extremamente grande. Fiz questão de vir pessoalmente nessa live para apoiar vocês. Esse evento que vocês estão organizando junto com a Taurus significa muita coragem. É um momento de atenção que estamos passando no Brasil. Ter a coragem de realizar o evento é muito importante para o momento que estamos passando no Brasil”, declarou o executivo da Taurus, que ainda aproveitou para criticar diretamente o governo do presidente Lula.


“Infelizmente, algumas pessoas, principalmente do atual governo, não têm a noção do que é um fim de semana em um clube de tiro em um evento esportivo. Não tem a noção do quão é importante e emocionante quando um atirador, desde o principiante até os tops, sobe no pódio. Inclusive, nossos menores e crianças já começam pequenininhos participando disso”, explicou Nuhs.

Além da participação de Nuhs na “superlive” do W2C, influenciadores digitais do setor também marcaram presença. Entre eles, Luciano Lara, Felipe Wu, Jorge Ohf, Edilaine Mansueto, Thyago Almeida, Bruna Mirandola e o lutador de MMA e ex-campeão do UFC Thiago Marreta, que, segundo as informações do W2C, “vem de Miami exclusivamente para participar do evento”.

A forte atuação dos influenciadores se explica pelo fato de que o W2C não é direcionado a apenas atiradores profissionais. Pelo contrário. Logo no início, o site do evento exibe uma imagem chamativa: uma fotografia de uma pessoa idosa com dois revólveres, um em cada mão. Na legenda, o slogan: “Esportivo. Recreativo. Instrutivo. Para todos!”.


O W2C também conta com a participação de figuras influentes no cenário armamentista. Figuras como o deputado federal pelo PL Eduardo Bolsonaro, a instrutora de tiro e analista judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo Juliana Trovão, o atirador esportivo e influenciador Maurício Superguns, o lutador Thiago Marreta e o instrutor Zaba Attack estão programadas para participar de transmissões ao vivo durante o evento. A lista de “parceiras de mídia” do evento também é recheada: SBT, Record, BandSports e JovemPan – além de canais temáticos e influenciadores, como InfoArmas, Paulo Royal, Samuel Cout, Shooters e Triggers.

Benefícios para compra

A página ainda exibe outros atributos do evento: além dos 1.500 clubes de tiro brasileiros envolvidos, existiriam ainda outros 50 clubes em 16 países – entre eles, França, Alemanha, Estados Unidos, Hungria, Argentina, Austrália e até do território de Hong Kong, na Ásia. O caráter internacional do evento, contudo, tem sido apontado como uma forma de permitir com que os atiradores atendam a possíveis novas exigências para o controle de armas no país. Isso porque a competição é classificada como uma competição de Nível III, a mais alta categoria existente por contar com participantes de vários países.

Conforme notado pelo site ComeAnanás, a Associação de Caça e Tiro Contestado, um clube de tiro de Santa Catarina envolvido na competição, divulgou comunicado frisando que “participar desta prova é uma oportunidade única de assegurar seus direitos, permitindo que você garanta os benefícios de atirador Nível III em relação ao seu acervo e para a compra de munições insumos”. O texto ainda diz: “Não deixe essa oportunidade passar! Antecipe-se ao novo decreto de armas de fogo e garanta seus direitos como atirador”.

O W2C é o segundo grande ato político armamentista do ano. A Proarmas, a Associação Nacional Movimento Pró Armas, realizou em junho um ato para defender a ampliação do porte de armas em Brasília. O grupo se reuniu na frente à Catedral Metropolitana e depois caminhou até o Congresso Nacional. Aproximadamente 2 mil pessoas participaram. A organização da manifestação afirma que o objetivo é a ‘defesa do direito do cidadão de ter armas e da liberdade de escolha”.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro também participou do ato. No topo de um carro de som, discursou pela liberação das armas e contra o PT. Na ocasião, aproveitou para criticar professores – chamando-os de doutrinadores, responsáveis por encaminhar “nossos filhos” ao mundo do crime, e comparando-os traficantes de drogas, por “sequestrarem” seus pensamentos.


“Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez o professor doutrinador seja pior”, afirmou o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro na manifestação. Ele também comentou a possível vinculação dos atos de 8 de janeiro com o movimento pró-armas. “Na CPI do 8 de janeiro, vi pró-armas recebendo um ataque e pessoas tentando vincular o [movimento] pró-armas ao 8 de janeiro. Sabe o que isso significa? Que vocês estão fazendo um excelente trabalho”, disse.

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