Corpo tem marcas de tortura
Um indígena do povo Xokleng foi assassinado este fim de semana em Santa Catarina. Hariel Paliano, de 26 anos, foi encontrado morto no sábado (27) às margens da rodovia que liga os municípios de Doutor Pedrinho e Itaiópolis. O corpo estava com sinais de espancamento e queimaduras. As informações são da Agência Brasil.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o crime ocorreu a 300 metros da casa de Hariel. Ele morava com a mãe e o padrasto, líder da aldeia Kakupli. No dia 4 deste mês, a casa foi alvo de tiros. A Polícia Federal (PF) investiga o caso.
No momento do crime, parte dos indígenas da aldeia regressava de Brasília, onde participaram, na semana passada, do Acampamento Terra Livre (ATL).
Na região, está localizada a Terra Indígena Ibirama La Klaño, onde vivem indígenas das etnias Kaingang e Guarani, além dos Xokleng. A disputa de terras no local foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao considerar inconstitucional a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Indígena morto: marco temporal intensificou violência
Em nota, o Cimi se solidarizou com os familiares de Hariel e afirmou que os episódios de violência na região foram intensificados após a aprovação do marco pelo Congresso.
A entidade também citou a decisão do ministro Gilmar Mendes que determinou a realização de conciliação nas ações que tratam da validade do marco temporal. O ministro é relator das ações protocoladas pelo PL, o PP e o Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco e de processos nos quais entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese.
“A decisão de Gilmar Mendes foi entendida como uma vitória dos setores que se contrapõem à demarcação da Terra Indígena Ibirama La Klaño e das demais terras indígenas no Brasil. Nesse sentido, a decisão em questão tornou-se combustível para a euforia e o ódio contra os povos indígenas”, declarou a entidade.
Pela tese do marco temporal, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.
Em dezembro do ano passado, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que validou o marco.
Em setembro, antes da decisão dos parlamentares, o Supremo decidiu contra o marco. A decisão da Corte foi levada em conta pela equipe jurídica do Palácio do Planalto para justificar o veto presidencial.
História de um massacre
O assassinato de Hariel Paliano é o capítulo mais recente do genocídio de um povo. Os Xokleng estão sendo dizimados há mais de um século.
Um relato do livro “Os Índios Xokleng — Memória Visual”, publicado em 1997 pelo antropólogo Silvio Coelho dos Santos, ilustra os perigos enfrentados pela etnia décadas atrás.
As tropas de “bugreiros”, narra a obra, deslocavam-se pelas trilhas à noite, em silêncio. Os homens, entre oito e 15, evitavam até fumar para não chamar atenção.
Ao localizar um acampamento, atacavam de surpresa.
“Primeiro, disparavam-se uns tiros. Depois passava-se o resto no fio do facão”, relatou Ireno Pinheiro, que era um “bugreiro”, sobre as expedições que realizava no interior de Santa Catarina até os anos 1930 para exterminar indígenas a mando de autoridades locais.
“O corpo é que nem bananeira, corta macio”, prossegue o bugreiro na descrição dos ataques. “Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço. Às vezes, para mostrar, a gente trazia algumas mulheres e crianças. Tinha que matar todos. Se não, algum sobrevivente fazia vingança”, completou.
Poucas etnias foram tão combatidas pelos “bugreiros” quanto os Xokleng, de Santa Catarina.
Em entrevista à BBC News Brasil em 2021, Brasílio Pripra, de 63 anos e uma das principais lideranças Xokleng, chorou ao falar de um massacre ocorrido em 1904 contra seus antepassados.
“As crianças foram jogadas para cima e espetadas com punhal. Naquele dia, 244 indígenas foram covardemente mortos pelo Estado”, afirmou.
O episódio foi descrito no jornal já extinto Novidades, de Blumenau, citado em artigo do jurista Flamariom Santos Schieffelbein na revista eletrônica argentina Persona, em 2009.
“Os inimigos não pouparam vida nenhuma; depois de terem iniciado a sua obra com balas, a finalizaram com facas. Nem se comoveram com os gemidos e gritos das crianças que estavam agarradas ao corpo prostrado das mães. Foi tudo massacrado”, relata o jornal.
A presença dos Xokleng era vista como um entrave à colonização europeia da região. Eram comuns relatos de furtos ou ataques de indígenas a trabalhadores que avançavam sobre seu território tradicional.
Os Xokleng perderam dois terços de seus membros no século passado. Posteriormente, essa população voltou a crescer e a etnia atualmente soma cerca de 2,3 mil integrantes.
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